A depressão pode até nascer de algo imenso, daqueles acontecimentos que quebram o chão que você pisa. Mas o que mantém essa dor viva, muitas vezes, é o modo como a gente vai deixando de ocupar o próprio mundo. É como se a vida fosse ficando estreita enquanto tudo ao redor nos empurra para apenas consumir: consumir conteúdo, consumir opiniões, consumir distração.
O problema é que fomos feitos também para criar. Criar do zero. Dar forma ao que antes não existia, transformar matéria em expressão, tirar algo de dentro e colocar no mundo. Quando essa possibilidade fica abafada, a existência começa a perder textura. O imediatismo rouba o silêncio necessário para inventar algo. A rapidez do dia a dia tira o espaço onde o pensamento poderia respirar.
E aí aparece essa sensação de não pertencer a lugar nenhum. Não porque falte algo externo, mas porque o mundo vira cenário e você vira espectador. É o corpo pedindo uma pausa, não para consumir mais uma coisa qualquer, mas para recuperar o gesto de existir ativamente.
A depressão também fala disso. Da fratura entre o que você poderia criar e o que você tem apenas recebido. E, mesmo que doa, ela aponta para uma urgência: voltar a se colocar no mundo como alguém que faz surgir algo, e não só alguém que reage ao que já está pronto.
Aline Andrade
Psicóloga Clínica



